Quem nunca ouviu falar da mula sem cabeça, saci pererê, boitatá, a
loira do banheiro, lobisomem, curupira, o homem do saco, provavelmente
não teve aquela infância regada a medo e curiosidade.
Esses mitos e
lendas fazem parte da cultura e estão no coletivo popular. São tão
importantes para a história da população que ganhou até um dia próprio,
22 de agosto, quando é comemorado o Dia do Folclore.
Nesta data, ainda as
escolas levam informações e causos para as crianças e assim, essas
‘estórias’ se perpetuam por gerações e mais gerações.
A melhor
definição de Folclore é o conjunto de práticas, histórias, tradições e
formas de pensar que pertence a um determinado povo, foi disseminado
oralmente e resistiu ao tempo.
Muito contado nas áreas rurais, no
Litoral Norte ele também tem vários adeptos e enredos variados para
todos os gostos. Aqui, tem do “Buraco do Bicho”, em São Sebastião, à
“Gruta que Chora”, em Ubatuba, passando pela “Pedra da Freira”, em
Caraguatatuba, chegando à “Água da Saúde”, em Ilhabela.
Um
contador de causos e lendas na região é o historiador Edvaldo
Nascimento, que no alto de sua memória relata ‘estórias’ que já se
transformaram em livros e continuam passando para novos ouvintes a cada
encontro.
Uma dessas lendas é a da “Toca ou Buraco do Bicho”,
localizada na rodovia Rio-Santos, em Guaecá. Conta a lenda que lá vivia
uma serpente que comia todos que por ali passavam. Vários padres foram
benzer o local, mas também eram degustados.
A história chegou em Ubatuba
onde o Padre José de Anchieta, com dó da população, foi a São Sebastião
dar um jeito no bicho. Esperto, ele se amarou em uma corda e ficou
acima da entrada da caverna, de onde chamou a cobra.
“No momento que ela
saiu, ele jogou a água benta. O animal fugiu para o mar e no caminho
expeliu todas as pessoas que comeu ao longo dos anos e depois
desapareceu”, relata Nascimento.
Nesta mesma
toca há outra lenda, do padre que pedia carona ao entardecer para quem
seguia sentido Barequeçaba. Contam os antigos que no veículo ele não
abria a boca e pouco depois da ‘descida’, simplesmente desaparecia do
carro. Um mistério não revelado até hoje.
Na Praia Deserta
havia uma figueira que os antigos contavam que era assombrada. Quem por
lá passava, em especial de bicicleta, sentia alguém sentar na garupa,
mas não via ninguém. Um mistério.
Nem Edvaldo Nascimento escapou. Aos 36
anos, quando retornava do Pontal da Cruz, sentiu um arrepio no braço e
um peso no corpo. “Era como se alguém me empurrasse. Lembrei da minha
avó falando para correr para o mar quando passasse por algo assim. Não
tive dúvida. Corri como nunca corri na minha vida”.
A figueira
foi cortada no final da década de 90, pois era considerada uma ameaça
para aqueles que por ela passavam. Mas não teve jeito, no mesmo lugar
uma nova árvore surgir e hoje se encontra firme fincada entre as pedras.
Arquipélago
Em
Ilhabela, as estórias também são variadas. Uma das mais relatadas é da
Água da Saúde. Diz a lenda que ao morrer um senhor idoso no Bonete, ele
foi levado para ser enterrado no cemitério de Castelhanos.
Para isso,
passavam pela trilha do Palhal, levando-o embrulhado em um lençol, como
de costume. No caminho os homens teriam parado para beber água em um
córrego na trilha e ao voltarem encontraram o velho sentado pedindo
água.
Assustados, todos saíram correndo largando o coitado lá. Assim,
esse córrego ficou conhecido como Água da Saúde.
Quem mora ou
esteve em Caraguá com certeza já ouviu falar da Prainha onde fica a
Pedra da Freira, que hoje é um dos pontos turísticos da cidade. Isso
porque há uma pedra com o formado de uma freira.
Mas ali, a história é
triste, pois, conforme descrito o livro ‘Causos e Contos de
Caraguatatuba”, há muito tempo, em uma aldeia indígena, o índio Iuri se
apaixonou pela freira que era responsável pela educação religiosa do
lugar.
Um dia, ele contou à freira que iria mergulhar e buscar lá no
fundo do mar uma lembrança inesquecível para ela, mas nunca mais
retornou. O formato da pedra, segundo a lenda, é da freira esperando que
Iuri saia do mar.
Pelas bandas de Ubatuba, as lendas são
muitas, que o digam Washington de Oliveira, o ‘seo’ Filhinho, o contador
oficial da cidade. Ele é o autor do livro “Ubatuba - Lendas e Outras
Histórias”.
Uma delas é da Gruta que Chora,
algo semelhante com a Toca do Bicho de São Sebastião,mas que traz em seu
papel a jovem Marcelina que se apaixonou pelo dragão que na gruta vivia
e uma noite, em seu quarto, se transformou no mais belo moço que já
havia visto. Contou para a mãe o motivo de sua tristeza, que não
passava.
Um dia, um monge, já sabedor do fato, esteve na gruta e
aspergiu água benta. Naquele instante fez-se um violento trovão e o mar
abriu-se ao meio dando passagem ao monstro que sumiu nas profundezas das
águas.
Hoje, quem entra no interior da lendária gruta, percebe cair lá
de cima uma sequência de pequeninas gotas que se infiltram na areia
branca e fina que alcatifa o chão.
Dizem, alguns, que são
remanescentes gotas da água benta espargida pelo monge, que ainda caem, a
fim de que o dragão jamais possa voltar. Outros afirmam que são
lágrimas de Marcelina, que lá voltou muitas vezes, na esperança de que o
dragão voltasse feito moço bonito para ficar com ela.
Assim
as lendas e causos vão se perpetuando no coletivo popular e ganham novos
capítulos a cada geração, a cada contador de causo que não deixa essas
estórias morrerem.
Fonte: Imprensa Livre
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