Equipamento que consegue ver através da copa das árvores revela estruturas na selva de Honduras e pode revolucionar arqueologia.
Escondida sob a
densa floresta da região de Mosquitia, em Honduras, uma antiga cidade
receberá seus primeiros visitantes em séculos até o fim do ano.
Descoberta graças a um equipamento instalado em um avião e capaz de
enxergar através da copa das árvores, sua localização exata permanece em
segredo para protegê-la — ameaça bastante concreta diante do fato de
que, na semana passada, uma empreiteira foi acusada de pôr abaixo uma
pirâmide maia de cerca de 2.300 anos em Belize para extrair pedras.
Talvez também maia, talvez de outra civilização mesoamericana ainda
desconhecida, os cientistas ainda não sabem que tesouros e segredos vão
encontrar na cidade perdida, mas de uma coisa estão certos: o achado vai
mudar o que sabemos sobre a presença humana nas Américas, ampliando as
fronteiras das áreas ocupadas por culturas sofisticadas há centenas ou
milhares de anos atrás.
À frente da expedição — que deve partir
para o local no fim do segundo semestre com arqueólogos, antropólogos e
outros especialistas — estará o cineasta Steven Elkins.
Ele conta que em
1994 trabalhava em uma produtora de TV em uma série de programas sobre
exploradores quando, filmando em Mosquitia, ficou fascinado com a lenda
da Ciudad Blanca, um rico complexo de construções que, protegido pela
selva, teria escapado da sanha dos conquistadores espanhóis.
Como muitos
aventureiros antes dele, Elkins não encontrou a cidade, mas continuou
obcecado pela ideia. Foi apenas em 2010, no entanto, que ele voltou à
caçada. Leu, então, sobre como arqueólogos estavam usando o Lidar (sigla
em inglês para “detecção e localização por luz”) para revelar a real
extensão do sítio de Caracol, em Belize.
— Em 1994, depois de
ficar andando pela selva durante cerca de um mês, percebi que era como
procurar uma agulha em um palheiro, é muito difícil ver alguma coisa —
lembra Elkins. — Mas continuei interessado na lenda e, ao longo dos
anos, eu e outras pessoas encontramos artefatos e ruínas enigmáticos.
Isto nos fez pensar que talvez realmente exista algo por lá, ainda que
não saibamos se o que encontramos é mesmo a Ciudad Blanca. Percebi que o
Lidar era a única maneira da fazer buscas em uma área desconhecida da
selva, já que andar era simplesmente ridículo. E no fim funcionou muito
melhor do que jamais imagináramos.
Revolução como a datação por carbono
Um
dos principais arqueólogos envolvidos na expedição, Christopher Fisher,
da Universidade do Estado do Colorado, também está animado com a
descoberta.
Durante anos, Fisher e o colega Stephen Leisz estudaram a
antiga cidade de Angamuco, coração do império Purépecha, contemporâneo e
rival dos astecas, no Oeste do México.
Só em 2011, porém, eles
contrataram uma empresa, a UTL Scientific, para fazer um levantamento da
área com o Lidar. As imagens revelaram mais de 20 mil estruturas
arquitetônicas antes desconhecidas, incluindo pirâmides, complexos
cerimoniais e milhares de restos de casas e outras construções.
—
Esta tecnologia representa uma mudança de paradigma na arqueologia, uma
revolução como a introdução da datação por carbono há algumas décadas —
diz. — O Lidar nos dá não só a habilidade de fazer levantamentos de
grandes áreas em buscas de sítios arqueológicos como a capacidade de
remover a copa das árvores e ver a engenharia sob elas, as cidades,
pequenos assentamentos, estradas, canais.
Segundo Fisher, o
projeto em Honduras demonstra como a arqueologia pode usar o Lidar para
mudar nosso entendimento sobre o povoamento e a sofisticação das
culturas da América pré-colombiana.
Ele explica que há tempos vigora o
conceito de que a floresta tropical não pode sustentar uma verdadeira
civilização porque toda energia do sistema está na sua biomassa, isto é,
uma vez removida a floresta, o sistema perde toda sua energia.
—
Esta área da cidade perdida em Honduras, por exemplo, não está
tecnicamente dentro da região ocupada pelos maias — destaca. — Assim,
acredito que em muitos aspectos esta tecnologia vai nos ajudar a
repovoar as Américas. E a próxima grande fronteira (para uso de Lidar) é
a Amazônia.
Tanto Elkins quanto Fisher ainda não têm projetos de
usar o Lidar na América do Sul, mas não descartam trabalhar no futuro na
região e esperam que a descoberta em Honduras estimule pesquisadores
brasileiros e de outros países a fazer o mesmo.
Aqui, um dos focos seria
encontrar a mítica cidade de ouro inca de El Dorado, objeto dos sonhos
de aventureiros há séculos.
— Há muitas lendas de cidades perdidas
em várias partes do mundo e certamente pretendo ir para o Brasil — diz
Elkins. — Seria fascinante tentar ver se algo de fato está escondido na
Amazônia, tudo que preciso é dinheiro.
Com o colega Bill Benenson,
Elkins criou a UTL Productions, que está investindo mais de US$ 1,5
milhão no projeto. Além da descoberta arqueológica em si, o trabalho
resultará em um documentário contando toda a história da caçada à cidade
perdida com previsão de lançamento em 2014.
Centenas de milhares de pulsos de laser por segundo
Levantamentos
aéreos não são exatamente uma novidade na arqueologia. Já em 1929, o
famoso aviador americano Charles Lindbergh avistou do alto ruínas no
Novo México e Arizona que passaram séculos desapercebidas por pessoas em
terra.
Ele chegou a tentar fazer o mesmo sobre as florestas do México e
América Central, mas logo percebeu que a densa selva não revelava tão
facilmente seus segredos.
Originalmente desenvolvido nos EUA nos
anos 60, auge da Guerra Fria, para detectar submarinos soviéticos no
oceano, o Lidar logo encontrou outros usos, como a confecção de mapas
topográficos. Montado a bordo de um avião voando baixo e lento, o
equipamento emite centenas de milhares de pulsos de laser por segundo,
cujos reflexos são captados por um sensor.
E embora grande parte seja
refletida pelas folhas das árvores, alguns passam pelas pequenas frestas
entre elas e atingem o solo.
Com múltiplos sobrevoos de diferentes
ângulos para aproveitar todas as frestas possíveis e a ajuda de modelos
computacionais para filtrar o “ruído” da copa da floresta, surge então a
imagem do que está escondido no terreno sob a selva.
— É como se
tivéssemos nosso próprio pequeno Sol móvel para iluminar o solo embaixo
da floresta — resume Juan Carlos Fernandez-Diaz, engenheiro da
Universidade do Texas e pesquisador do Centro Nacional de Mapeamento
Aéreo pro Laser (NCALM) dos EUA, responsável pelas operações com o Lidar
em Honduras.
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