terça-feira, 21 de maio de 2013

Caçadores da cidade perdida





Equipamento que consegue ver através da copa das árvores revela estruturas na selva de Honduras e pode revolucionar arqueologia.


Escondida sob a densa floresta da região de Mosquitia, em Honduras, uma antiga cidade receberá seus primeiros visitantes em séculos até o fim do ano. 


Descoberta graças a um equipamento instalado em um avião e capaz de enxergar através da copa das árvores, sua localização exata permanece em segredo para protegê-la — ameaça bastante concreta diante do fato de que, na semana passada, uma empreiteira foi acusada de pôr abaixo uma pirâmide maia de cerca de 2.300 anos em Belize para extrair pedras. 


Talvez também maia, talvez de outra civilização mesoamericana ainda desconhecida, os cientistas ainda não sabem que tesouros e segredos vão encontrar na cidade perdida, mas de uma coisa estão certos: o achado vai mudar o que sabemos sobre a presença humana nas Américas, ampliando as fronteiras das áreas ocupadas por culturas sofisticadas há centenas ou milhares de anos atrás.



À frente da expedição — que deve partir para o local no fim do segundo semestre com arqueólogos, antropólogos e outros especialistas — estará o cineasta Steven Elkins. 



Ele conta que em 1994 trabalhava em uma produtora de TV em uma série de programas sobre exploradores quando, filmando em Mosquitia, ficou fascinado com a lenda da Ciudad Blanca, um rico complexo de construções que, protegido pela selva, teria escapado da sanha dos conquistadores espanhóis. 


Como muitos aventureiros antes dele, Elkins não encontrou a cidade, mas continuou obcecado pela ideia. Foi apenas em 2010, no entanto, que ele voltou à caçada. Leu, então, sobre como arqueólogos estavam usando o Lidar (sigla em inglês para “detecção e localização por luz”) para revelar a real extensão do sítio de Caracol, em Belize.



— Em 1994, depois de ficar andando pela selva durante cerca de um mês, percebi que era como procurar uma agulha em um palheiro, é muito difícil ver alguma coisa — lembra Elkins. — Mas continuei interessado na lenda e, ao longo dos anos, eu e outras pessoas encontramos artefatos e ruínas enigmáticos. Isto nos fez pensar que talvez realmente exista algo por lá, ainda que não saibamos se o que encontramos é mesmo a Ciudad Blanca. Percebi que o Lidar era a única maneira da fazer buscas em uma área desconhecida da selva, já que andar era simplesmente ridículo. E no fim funcionou muito melhor do que jamais imagináramos.



Revolução como a datação por carbono



Um dos principais arqueólogos envolvidos na expedição, Christopher Fisher, da Universidade do Estado do Colorado, também está animado com a descoberta. 



Durante anos, Fisher e o colega Stephen Leisz estudaram a antiga cidade de Angamuco, coração do império Purépecha, contemporâneo e rival dos astecas, no Oeste do México. 



Só em 2011, porém, eles contrataram uma empresa, a UTL Scientific, para fazer um levantamento da área com o Lidar. As imagens revelaram mais de 20 mil estruturas arquitetônicas antes desconhecidas, incluindo pirâmides, complexos cerimoniais e milhares de restos de casas e outras construções.



— Esta tecnologia representa uma mudança de paradigma na arqueologia, uma revolução como a introdução da datação por carbono há algumas décadas — diz. — O Lidar nos dá não só a habilidade de fazer levantamentos de grandes áreas em buscas de sítios arqueológicos como a capacidade de remover a copa das árvores e ver a engenharia sob elas, as cidades, pequenos assentamentos, estradas, canais.



Segundo Fisher, o projeto em Honduras demonstra como a arqueologia pode usar o Lidar para mudar nosso entendimento sobre o povoamento e a sofisticação das culturas da América pré-colombiana. 



Ele explica que há tempos vigora o conceito de que a floresta tropical não pode sustentar uma verdadeira civilização porque toda energia do sistema está na sua biomassa, isto é, uma vez removida a floresta, o sistema perde toda sua energia.



— Esta área da cidade perdida em Honduras, por exemplo, não está tecnicamente dentro da região ocupada pelos maias — destaca. — Assim, acredito que em muitos aspectos esta tecnologia vai nos ajudar a repovoar as Américas. E a próxima grande fronteira (para uso de Lidar) é a Amazônia.



Tanto Elkins quanto Fisher ainda não têm projetos de usar o Lidar na América do Sul, mas não descartam trabalhar no futuro na região e esperam que a descoberta em Honduras estimule pesquisadores brasileiros e de outros países a fazer o mesmo. 



Aqui, um dos focos seria encontrar a mítica cidade de ouro inca de El Dorado, objeto dos sonhos de aventureiros há séculos.



— Há muitas lendas de cidades perdidas em várias partes do mundo e certamente pretendo ir para o Brasil — diz Elkins. — Seria fascinante tentar ver se algo de fato está escondido na Amazônia, tudo que preciso é dinheiro.



Com o colega Bill Benenson, Elkins criou a UTL Productions, que está investindo mais de US$ 1,5 milhão no projeto. Além da descoberta arqueológica em si, o trabalho resultará em um documentário contando toda a história da caçada à cidade perdida com previsão de lançamento em 2014.



Centenas de milhares de pulsos de laser por segundo



Levantamentos aéreos não são exatamente uma novidade na arqueologia. Já em 1929, o famoso aviador americano Charles Lindbergh avistou do alto ruínas no Novo México e Arizona que passaram séculos desapercebidas por pessoas em terra. 



Ele chegou a tentar fazer o mesmo sobre as florestas do México e América Central, mas logo percebeu que a densa selva não revelava tão facilmente seus segredos.


Originalmente desenvolvido nos EUA nos anos 60, auge da Guerra Fria, para detectar submarinos soviéticos no oceano, o Lidar logo encontrou outros usos, como a confecção de mapas topográficos. Montado a bordo de um avião voando baixo e lento, o equipamento emite centenas de milhares de pulsos de laser por segundo, cujos reflexos são captados por um sensor. 


E embora grande parte seja refletida pelas folhas das árvores, alguns passam pelas pequenas frestas entre elas e atingem o solo. 



Com múltiplos sobrevoos de diferentes ângulos para aproveitar todas as frestas possíveis e a ajuda de modelos computacionais para filtrar o “ruído” da copa da floresta, surge então a imagem do que está escondido no terreno sob a selva.



— É como se tivéssemos nosso próprio pequeno Sol móvel para iluminar o solo embaixo da floresta — resume Juan Carlos Fernandez-Diaz, engenheiro da Universidade do Texas e pesquisador do Centro Nacional de Mapeamento Aéreo pro Laser (NCALM) dos EUA, responsável pelas operações com o Lidar em Honduras.




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