sábado, 6 de julho de 2013

Discos voadores: imprensa e debate público no Brasil dos anos 1940-50

 Foto: Divulgação


Faz bastante tempo que os discos voadores “estão por aí”. Para sermos exatos, desde 1947. Foi neste ano que o piloto norte-americano Kenneth Arnold relatou relatou ter visto algo que não pôde compreender. 


Ele teria observado aeronaves semelhantes a “um prato de torta cortado no meio com um tipo de triângulo convexo na traseira”. Tais objetos “voavam de maneira ondulante, como um disco se você o joga sobre a água”.


Embora Arnold não tenha utilizado o termo disco para falar da forma dos objetos, sua descrição foi levemente modificada pela imprensa e, dessa confusão, surgiu a expressão “disco voador”. 
O termo pegou e passou a ser usado desde então para designar os objetos e fenômenos aéreos que não são imediatamente reconhecidos pelas pessoas.


Curiosamente, depois desse episódio, várias pessoas disseram ter tido visões parecidas nos Estados Unidos e, após a chegada da notícia ao Brasil, 28 casos foram informados também no país, em apenas dois meses. Se a vida alienígena já era prato cheio para a imprensa – séria ou sensacionalista –, para a literatura, e para o cinema, os tais discos voadores acabaram se tornando uma verdadeira febre na década de 1950.
Esta é uma história muito bem contada no trabalho de mestrado defendido pelo historiador Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp: A invenção dos discos voadores: Guerra Fria, imprensa e ciência no Brasil (1947-1958).


Em palestra no Instituto de Psicologia (IP) da USP, o professor do Centro Universitário Araraquara (Uniara) falou um pouco sobre a pesquisa, onde investigou, em particular, as percepções da população sobre o tema e a influência da imprensa, da ciência e da Guerra Fria em tais concepções.


Naquela época, diz Rodolpho, as ideias a respeito de discos voadores ainda “eram capazes de provocar pânico, choro, risos e grandes discussões que consumiram muito papel”. Mais do que isso, “simbolizavam anseios e preocupações de toda uma geração”, descreve.


As fontes escolhidas para estudo foram, principalmente, as da imprensa. A escolha, de acordo com o pesquisador, foi baseada no fato de mídia escrita ter sido uma grande arena de debate público a respeito. 


“Através desse material, examinamos o comportamento da própria imprensa, da comunidade científica nacional e, quando possível, de outros atores da sociedade brasileira”, explica, acrescentando que assim foi possível reconstituir parcialmente as lutas e tensões entre os diferentes grupos sociais neste processo histórico.


O debate

 

A própria imprensa organizou a discussão, estruturada a partir de uma pergunta principal: os discos voadores existem de fato? De acordo com o historiador, dois grupos se destacaram: quem acreditava que os casos eram “fruto de algum fenômeno psicológico individual ou coletivo” ou mero “resultado de confusões com objetos e fenômenos conhecidos”; e aqueles que defendiam que os discos voadores eram aeronaves reais, mas provavelmente armas secretas secretas soviéticas ou norte-americanas. 


Embora o mundo vivesse o início da Guerra Fria, “a maioria dos cientistas consultados pelas agências de notícias internacionais defendeu a primeira hipótese”, relata Rodolpho. Inicialmente, a possibilidade de seres extraterrestres quase não era cogitada.


Ao longo da década, continuaram ocorrendo ondas de relatos de discos voadores no Brasil e em outros países. Aos poucos, começaram a aparecer também os defensores de que os discos não seriam armas das superpotências, mas visitantes extraterrestres. 


O desenvolvimento tecnológico das décadas anteriores já permitia aos humanos sonhar com viagens espaciais num futuro próximo. Isso atiçava a imaginação das pessoas, e foi muito bem aproveitado nos inúmeros produtos da indústria cultural.


No Brasil, o tema entra ainda mais na pauta popular a partir o caso da Barra da Tijuca, em 1952. Jornalistas da revista O Cruzeiro dão testemunho de que viram discos voadores, ilustrando o depoimento com fotos. 


Somente vários anos depois, análises mostrariam que as imagens eram uma fraude. Na década de 1950, a mesma revista divulgou 58 matérias sobre o tema, contribuindo para deixar o assunto em discussão em todo o país.


Os cientistas, porém, tiveram tímida participação nos debates da imprensa nacional. “Poucos membros da comunidade científica brasileira expressaram sua opinião. Os que falaram, em sua maioria, não permitiram que sua identidade fosse revelada”, detalha Rodolpho. 


O físico César Lattes, por exemplo, depois de muita insistência, declarou a um repórter da Folha da Manhã em 1952: “nada tenho a dizer. Nada poderia dizer, mesmo que quisesse. Os cientistas somente acreditam naquilo que vêem”.


Os jornais pesquisados também evitaram opinar. O Globo foi o único dos diários consultados que assumiu uma posição, associando os discos voadores à tendência humana de acreditar em mistérios e superstições: “os homens são inclinados a crer nas coisas vagas, misteriosas e imprecisas (…) Os homens sempre viveram à custa desses pequenos romances. Mais um, menos um, não alteram os ritmos da vida”, afirmou o editorial de 11 de julho 1947.


Ainda assim, pelo menos nesta época, a hipótese extraterrestre sai vencedora da disputa, gozando de credibilidade no imaginário popular brasileiro e internacional. 


Segundo o pesquisador, em termos gerais, isso pode ser explicado pelo interesse econômico da indústria cultural em um assunto que mobilizava públicos; pelo baixo nível de conhecimento científico da população; pelo apelo daquilo que não podia ser explicado pela ciência; e pelo forte interesse que a ideia de visitantes alienígenas causava.


Para o estudioso, o progresso tecnológico pós Segunda Revolução Industrial abriu um precedente em termos de imaginário. 


“Afinal, se os humanos podiam agora sonhar com as viagens espaciais, não era difícil pensar que seres de outros planetas já possuíam tal tecnologia. Nenhum outro período histórico esteve tão ligado culturalmente ao que existe além da Terra quanto o século XX”, conclui.





Fonte: USP

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