Reunião com ex-presidente Ronald Reagan (dir.) e Richard Nixon (esq.), sentados
Como em todos os meses de julho há mais de um século,
alguns dos homens mais ricos e influentes dos Estados Unidos estão
reunidos no acampamento Bohemian Grove, perto da cidade de Monte Rio, no
norte da Califórnia.
O encontro, que é fechado à imprensa, dura duas
semanas e é o ponto alto do ano para os integrantes do Bohemian Club,
uma instituição privada para homens fundada em São Francisco, em 1872.
Entre os integrantes há intelectuais, vários ex-presidentes dos
Estados Unidos e influentes senadores, deputados, acadêmicos e altos
executivos das maiores empresas e instituições financeiras do país.
Acredita-se que o Projeto Manhattan, que levou à
criação da bomba atômica, tomou forma no Bohemian Grove, durante uma
reunião em 1942.
De acordo com o porta-voz do clube, Alex Singer,
o evento é apenas uma reunião em que os sócios e seus convidados –
entre os quais, como em todos os anos, figuras de destaque internacional
– desfrutam da natureza e de uma série de atividades culturais que
incluem concertos, peças de teatro, recitais e palestras sobre assuntos
da atualidade.
Peter Phillips estuda confraria há mais de 20 anos e já teve acesso ao acampamento secreto nos EUA
Mas o forte esquema de segurança e sigilo vêm tornando o encontro
alvo de protestos de muitos grupos de ativistas, que questionam a
legitimidade do Bohemian Grove por reunir funcionários do governo e
representantes do mundo corporativo a portas fechadas.
O acampamento também tem gerado uma série de
teorias da conspiração (algumas mais prováveis do que as outras) que
asseguram que os "bohos", como são chamados os sócios do clube,
trabalham para estabelecer uma nova ordem mundial e celebram rituais
pagãos com conotações satânicas.
Origens e características
Peter Phillips, professor de sociologia política
da Universidade de Sonoma, na Califórnia, pesquisa as atividades do
Bohemian Club há mais de 20 anos. Para sua tese de doutorado entrevistou
muitos de seus membros, e acabou convidado a passar vários dias no
acampamento de verão do grupo.
Em meio à floresta, local onde membros da confraria se reúnem é cercado de segurança e sigilo
Ele explica que a confraria tem entre 2.500 e 3
mil sócios (embora o número exato e os nomes dos integrantes do clube
nunca tenham sido divulgados). A lista de espera pode durar entre 15 e
20 anos, e não é de se surpreender que tornar-se um "boho" tenha seu
preço: entrar no seleto grupo custa nada mais nada menos do que US$ 25
mil (R$ 56 mil).
Fundado por um grupo de jornalistas, artistas e
músicos, o Bohemian Club começou a aceitar empresários e homens de
negócios com o passar do tempo para financiar suas atividades culturais.
Símbolo de sabedoria, a coruja é usada também como talismã dos membros do Bohemian Club
O especialista diz que atualmente o clube conta
com os 200 maiores doadores do Partido Republicano e diretores das cem
maiores empresas americanas.
Figuras de destaque já passaram pela confraria, entre eles os
escritores Mark Twain e Jack London, os multimilionários William
Randolph Hearst e David Rockefeller e políticos conservadores de
reputação nacional, como Dwight Eisenhower, Ronald Reagan, Henry
Kissinger, George Bush e seu filho George W. Bush, Dick Cheney e Donald
Rumsfeld.
Neste ano, a lista inclui nomes como o
ex-general do Exército americano Stanley McChristal, o famoso comediante
Conan O'Brien, o presidente da Universidade de Stanford, John
Hennessey, o ex-presidente da Intel, Paul Otellini, e o ex-presidente
boliviano Jorge Quiroga.
Curiosidades e polêmicas
Phillips diz que os participantes dividem-se em
cerca de 120 acampamentos, que vão desde chalés com bastante conforto
até alojamentos mais simples, com banheiros e chuveiros compartilhados.
Em meio à floresta, as instalações contam ainda com três teatros ao
ar livre, um restaurante, um pequeno museu de história natural e mais de
cem pianos.
O clima é de festa e há muita bebida o tempo
todo, conta o estudioso, relembrando outro aspecto essencial do evento: a
preferência de seus sócios por urinar ao air livre, nas árvores,
constantemente.
Há polêmica em torno de uma das tradições do
grupo, chamada "Queima das Preocupações". O ritual ocorre no primeiro
fim de semana do acampamento, quando um grupo de homens segurando tochas
e vestidos com togas e com as cabeças cobertas coloca fogo em uma
efígie coberta por um manto diante de uma estátua de uma coruja com mais
de 12 metros de altura.
O ritual foi gravado pelo jornalista americano Alex Jones, um dos principais críticos do evento.
Relatos de funcionários do acampamento apontam
ainda que muitos de seus participantes, a maioria homens de meia idade,
brancos e de classe média alta, gostam de se disfarçar de mulher –
sobretudo para representar papéis femininos nos espetáculos, já que só
homens podem participar da confraria.
Decisões
A ativista californiana Mary Moore vem liderando protestos contra o
evento há mais de 30 anos. Para ela, o problema mais grave é que algumas
das ideias que circulam durante o acampamento acabam convertendo-se em
políticas reais.
A ativista Mary Moore organiza protestos anuais diante do acampamento há mais de 30 anos
"Em 1981, ao analisar a lista de sócios e
convidados, nos demos conta de que os principais membros da indústria
militar estavam lá (...) E foi neste ano que o secretário da Defesa do
presidente Ronald Reagan, Caspar Weinberger, deu a palestra intitulada
'Rearmando os EUA' (...) Pouco depois o governo Reagan lançou a
Iniciativa de Defesa Estratégica que desencadeou uma carreira
armamentista", diz.
"O que se faz no Grove é se embebedar, mas é
óbvio que também são feitos negócios e política. Estamos usando o Grove
como um exemplo. O que queremos é que as pessoas se deem conta de como
funciona o mundo da política e das altas finanças. Que vejam como o que é
discutido a portas fechadas afeta a todos", acrescenta Moore.
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